12 outubro 2014

Sometimes I get lost inside my mind ...


No mais fundo de ti, 
eu sei que traí, mãe 

Tudo porque já não sou 

o retrato adormecido 
no fundo dos teus olhos. 

Tudo porque tu ignoras 

que há leitos onde o frio não se demora 
e noites rumorosas de águas matinais. 

Por isso, às vezes, as palavras que te digo 
são duras, mãe, 
e o nosso amor é infeliz. 

Tudo porque perdi as rosas brancas 
que apertava junto ao coração 
no retrato da moldura. 


Se soubesses como ainda amo as rosas, 
talvez não enchesses as horas de pesadelos. 

Mas tu esqueceste muita coisa; 
esqueceste que as minhas pernas cresceram, 
que todo o meu corpo cresceu, 
e até o meu coração 
ficou enorme, mãe! 

Olha — queres ouvir-me? — 
às vezes ainda sou o menino 
que adormeceu nos teus olhos; 

ainda aperto contra o coração 
rosas tão brancas 
como as que tens na moldura; 

ainda oiço a tua voz: 
          Era uma vez uma princesa 
          no meio de um laranjal...
 

Mas — tu sabes — a noite é enorme, 
e todo o meu corpo cresceu. 
Eu saí da moldura, 
dei às aves os meus olhos a beber, 

Não me esqueci de nada, mãe. 
Guardo a tua voz dentro de mim. 
E deixo-te as rosas. 

Boa noite. Eu vou com as aves. 
A minha Mãe está sentada do outro lado do corredor, em frente ao computador. Trabalha em algo que não lhe pergunto o que é. A minha Filha está sentada numa manta, perto da Avó, a beber desenhos animados. Vejo-as pelos vidros da porta, alheias à minha presença curiosa, enquanto lhes vejo os traços do rosto. Tão leves ainda os da Francisca, tão carregada a testa da minha Mãe, os olhos cansados, a expressão de enfado em frente ao computador. A expressão pura e de pura alegria da Francisca. Estou mais perto de ser a minha Mãe. E, de uma forma visceral, lembro-me de Eugénio de Andrade. 

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