30 março 2013

Páscoa...

Durante muitos anos tive Páscoas verdadeiramente felizes. Passava as férias a correr, a brincar, a sujar-me, a esfolar-me no campo, em Trás-os Montes. Via a minha Avó amassar o folar. Havia sempre um pequenino, feito especialmente para mim, que provava ainda quente, saído do forno a lenha que deixava um cheirinho bom no ar. Durante muitos anos, vi a minha Avó preparar a casa para receber o Compasso com a casa cheia de filhos e netos. Vi o fogo do forno ser espevitado com vides que, quando em brasa, se tornavam no local perfeito para assar o cabrito (que não aprecio), alheiras, batatas a murro. Almoçava-se tardiamente, enquanto o Compasso percorria a Aldeia. A casa da minha Avó era das últimas, onde o Padre chegava já tocado, mas não negava mais um copo de Tinto da casa e um bom salpicão. Depois, o meu Avô morreu e Vida tomou o seu caminho, de acordo com as opções que cada um quis tomar. Alguns, cegos pelo sentimento de posse, decidiram destruir a unidade que havia. Alguns, decidiram que o caminho da Justiça seria o mais indicado para reclamar o que achavam seu, ferindo de morte o coração de Mãe da minha Avó. A minha Avó envelheceu, permitiu que o cansaço reclamasse o peso dos anos. As mãos, cheias de artroses, não mais permitem que amasse o folar, o melhor de todos. Não haverá mais económicos feitos pelas suas mãos cansadas, a minha Filha não saberá o que é ter um folar numa forma pequenina, carinhosamente feito para si. O forno não voltará a ser ateado com vides. Não mais se discute quanto dinheiro se põe no envelope e se esconde para impedir que a criançada ou um adulto mais brincalhão tire a nota e seja entregue um envelope vazio. As portas estão fechadas ao Compasso por tempo indeterminado. A casa sei-a vazia, de portadas fechadas. Sem barulho. Sem gente. Sem vida. O campo em frente deve ter papoilas a despontar, verde das chuvas, lamacento, perfumado e onde em tempos pastavam os cavalos. Hoje, deve ter só um silêncio. Quase tão duro e pesado como o que sei que habita no coração da minha Avó, ao chegar mais uma Páscoa. 

5 comentários:

Chic Maria disse...

O tempo passa e não volta atrás. A vida vai andando e quando damos por nós, os nossos pais estão mais velhos, os nossos avós estão velhos e nós não somos mais crianças. É nestas épocas que tb sinto mais essa diferença. Boa Páscoa!

Magui disse...

Também tenho saudades da Pascoa que já não volta... Na casa da minha avó cheirava a glicinias (ou cachos da pascoa)!

Bi disse...

às vezes dou por mim a pensar em tempos idos e fico com uma angústia enorme... nada se repete da mesma forma,nunca vai dar para voltar atrás. Talves seja esse o mistério de tudo e que torna tudo especial. E por isso temos mesmo que dar valor a cada instante!
Um beijinho*

Ana disse...

Adorei a tua descrição desses tempos especiais. Gosto muito do teu jeito cómico de escrever, mas aprecio, também, muito esta forma sentida de ordenar as palavras.

raquel disse...

tão bonito*