Na minha família do lado materno, há muitos anos atrás, começaram as quezílias por causa de partilhas. Tudo o que até então tinha conhecido, os jantares e comemorações em família alargada, acabaram no dia em que enterramos o meu Avô. Talvez um pouco antes, mas associo a esse dia o fim do que eu conhecia até então. O meu Tio mais velho deixou de falar com toda a gente, incluindo a própria Mãe, minha Avó, que vive com o desgosto de ver na velhice os filhos de costas voltadas entre si e alguns para ela. No final da vida, vive com essa dor. O meu Tio tinha uma filha, que eu ainda vi nascer e conheci bebé, antes de tudo se desmoronar. Passava os Carnavais sempre lá, onde moravam e ainda moram, terra dada a foliões. Era também destino de passeios deprimentes de Domingo. Ou de jantaradas. Os anos passaram. Por ele, por mim, pela prima bebé que nunca vi crescer. Por ironia do destino, a prima bebé sentou-se anos mais tarde, já adulta, num anfiteatro para uma aula na Faculdade. A Professora? A Tia. A minha Mãe. Foi um choque. Não que a minha Mãe a tenha reconhecido, os anos passaram e uma bebé não é uma adulta de quase 20 anos. Mas houve qualquer coisa naquela aluna que lhe despertou a atenção, talvez a forma como a fitava e sorria. Na ficha de aluna, no espaço reservado ao nome do Pai, constava o nome do seu Irmão mais velho, meu Tio. Por ironia do destino, a Tia era Professora da Sobrinha com quem nunca privou e cujos laços foram abruptamente cortados. Com ela, connosco, com todos, depois de se chegar à barra dos Tribunais, por onde ainda se passeiam. A Prima que não conheço. Que não conhece a Avó. O resto dos Primos. Ao fim de umas semanas de impasse, a minha Mãe, sabendo agora que a Lei a impede de avaliar a Sobrinha, chamou-a para falar ao seu gabinete. A Sobrinha, minha Prima, disse sentir pena de não conhecer a família. Que o seu próprio Pai, meu Tio, casmurro e obstinado, sofre com a ausência dos do seu sangue. A Prima que não conheço perguntou por mim. Porque ainda existem fotos da Menina de cachos e cabelo pelas costas lá por casa. Que o Pai, meu Tio, fala ainda hoje de mim, que era como que uma espécie de Filha. Perguntou por mim. Que sabia que tinha passado um "cabo das tormentas" mas que tinha construído uma Vida após o dobrar. Que já tinha sido Mãe. Perguntou pelo nome da minha Filha. A Prima que não conheço. Por ironia do destino, cruzou-se numa sala de aula com a Família. A dela. Que é a minha. Estou atordoada. Com o coração pequeno.
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11 março 2014
Estórias de Família.
03 fevereiro 2014
O mal é a roupa suja.
O que eu queria agora era uma botija de água quente. E que alguém me enfiasse na cama, me desse um cházinho quente com uma bolachinha ou um croissant com fiambre e dissesse para estar descansada, não me preocupar com nada e dormir. Em vez disso, arrastei-me da cama para fora, dei de comer ao cão e ao gato, vesti-me, vesti a piquena, dei-lhe o pequeno almoço, preparei-lhe a mochila para levar para a escola, mediquei-a, mediquei-me, deixei-a na escola e agora estou a tentar fazer algo de útil. Mas as letras dançam-me numa valsa estonteante, pesa-me a cabeça, não sei que vou fazer de jantar para alimentar a criança e esqueci-me de por a máquina da roupa a lavar, grande merda, é o meu drama de hoje, a máquina carregada e eu não carreguei no botão. O que eu queria agora era mesmo qualquer coisa que não o que tenho. Lamento, mas isto hoje não sai nada de inspiracional, bonitinho ou fófinho. Estou farta de doenças, achaques diversos, panelas e roupa para lavar. Sim, o pior é mesmo a roupa para lavar. Ou não.
30 janeiro 2014
Eu sei que sim, mas eu tenho coração.
Hoje, fui às urgências com a Francisca. Apanhei um susto. Eu sei, eu sei, não é nada de catastrófico, mas dizerem-me que a miúda já não estava com a saturação de oxigénio como devia e que estava em esforço, fez o meu coração parar. Para logo a seguir, numa fracção de segundos, a adrenalina o voltar a obrigar a bater. Disse a mim própria para não ser mariquinhas. Para usar a cabeça e não o coração. Eu sei, eu sei, coisas de crianças. Um bocadinho de oxigénio para ajudar a respirar melhor (e para mim? respira, respira mariquinhas, mantém a calma, tu sabes que não é algo do outro mundo, respira, dá-lhe calma, dá-lhe conforto, aguenta-te que motherhood is not for sissies!). Medicação, resguardo, mimo, carinho, paciência. Eu sei, eu sei, não é nada de muito grave e há coisas muito piores. Limpa-se vómito e ranho, diz-se que já vai passar tudo com o "remédinho", aguenta-se as más noites de choro pela doença, limpam-se as lágrimas de desconforto, vela-se a respiração, medicação certinha e tudo vai passar. Eu sei, eu sei, eu sei que isto passa e não tarde está de novo aos pinotes e não foi nada com ela. Mas como dizia o meu querido Matt, quando a filha de um colega nosso foi submetida a uma pequena cirurgia, as pequenas cirurgias são as que são feitas nos outros, não em nós ou nos nossos. Agora, Francisca dorme, de respiração ofegante. Deixou-se dormir no sofá, encolhida sobre ela mesma. Levei-a ao colo para a cama, a cabeça encostada no meu peito, tão pequena a minha Menina grande, tão minha, tão de mim. De cada vez que a Francisca fica doente e a vejo com aqueles olhos fundos, parte de mim também adoece. E eu sei que é a melhor parte de mim.
29 outubro 2013
Seringas, a minha Avó e Epás de fruta.
Até às quatro da tarde, a Francisca tinha comido 3 ou 4 colheres de cerelac. Ofereci de tudo e mais alguma coisa e nada. Chorava, cerrava a boca e nada na pançola da piquena. Nem gelado, nem leite com chocolate. Mas abria a boca para eu lhe enfiar ben-u-ron goela abaixo. A miúda curte à brava tomar xaropes, o que é um bocado sinistro mas isso agora não interessa nada. Lembrei-me da minha Avó. Quando o meu Avô teve o AVC e se recusava a comer, a minha Avó pegava num prato de Nestun, numa seringa e alimentava-o assim, não deixando que definhasse. Acho que foi isso que manteve o meu Avô vivo durante 4 anos após o AVC, a incapacidade de desistir da minha Avó. Mas quanto à pneumonia que acabou por o levar, não conseguiu lutar. Pus-me a pensar nela. Juntei tudo na cabeça. "Francisca, abre a boca. Olha o remedinho". E foi assim que lhe despejei, literalmente, um epá misturado com fruta de boião. Eu quero é que ela se mantenha alimentada. E se tiver de ser à seringa, à seringa vai. E sim, epá derretido com fruta pode não ser o mais saudável. Mas alimenta. E já tem mais qualquer coisa que 3 ou 4 colheres de cerelac na pançola. Graças à lembrança da minha Avó. Se é um método pouco ortodoxo ou sinistro? I don't give a shit. Uma pessoa faz o que tiver de fazer. E eu sou a Mãe dela. Faço tudo o que for preciso. Até alimentar à seringa.
22 outubro 2013
E com o tempo...
... this too shall pass. Foi o que repeti depois de a deixar na Escola, quase a fugir escadas abaixo, com as lágrimas a escorrerem-me pela cara abaixo. Eu não choro em público nem para público. Repeti vezes sem conta, and in time, this too shall pass. Afinal, sempre choveu esta madrugada. E hoje de manhã. Por algum motivo, a privação de sono é usada como tortura. Dói-me tudo no corpo, sinto que a pele me dói. Tenho o coração tão pesado que me custa a respirar. É uma fase. And in time, this too shall pass. Paciência. Calma. Aguentar. Não vacilar. And in time, this too shall pass. No alarms and no surprises... Silent... This too shall pass.
21 outubro 2013
Desabafo de uma Mãe à beira de um ataque de qualquer coisa.
Anda há dias que diz que vai chover. Choveu um pouco um destes dias, mas não o prometido pelo meu telemóvel. Também só sei que dia é hoje porque está escrito no verso da estúpida da pílula que ando a tomar. Hoje, ninguém dormiu. De novo. Mais uma vez. Francisca passou o seu dia de Domingo a pintar a manta. Fez asneira atrás de asneira, berrou, gritou, esperneou o tempo todo da sesta, atirou-se da cama, onde foi de novo colocado o dossel, que a fez cair e não sair sorrateiramente como na noite anterior. Hoje a grade sai, para evitar acidentes. Fez 30 por uma linha, bateu na Mofli, mexeu em tudo que não devia. Ficou de castigo sentada numa cadeira 2 minutos, até ter ordem para levantar. Não sei onde fui buscar esta, mas sossegou um pouco. Dei-lhe banho. Fiz-lhe o jantar. Vomitou parte do jantar porque puxou o vómito de propósito. Fui deitá-la, com a nossa lengalenga de sempre. Deu luta mas adormeceu. Dormiu 2 horas, tranquila. Depois, recomeçou tudo, de novo. Francisca quer que alguém se sente na cadeira e ali durma, em adoração da sua existência. Francisca grita, chora, berra. Birra, birra, birra. Francisca puxa de novo o vómito porque sabe que se o fizer alguém aparece. Troco a cama, lavo o vomitado da colcha à mão e apetece-me chorar. Mas não choro porque, pelo amor da santa, alguém com dois dedos de testa não se vai por a chorar porque está a lavar vomitado de madrugada e tem frio e sono. Francisca, está tudo bem. Fazer ó-ó com o KikoNico, com o Ursinho, com sei lá mais qual boneco. Luz de presença ligada. Luz do corredor acesa. Tanto faz, é indiferente. Eu sentada no chão à porta do quarto. Francisca, está tudo bem, a Mãe está aqui. As horas a passarem. Francisca só se cala quando alguém se senta na cadeira. Aí, deita-se em regozijo com a sua vitória e adormece num sono leve, que é interrompido pelo som do levantar da mesma. Não pode ser. Não há cadeira. Cadeira para o corredor. Fazer ó-ó, está tudo bem. Frio, tenho tanto frio. Francisca berra noite fora, madrugada dentro. Oscila entre gritos, berros, choro e conversa melada. Às sete e e meia, não quer dormir, não dorme. Enfio-lhe a papa pela boca abaixo, visto-a em modo automático e mando-a para a Escola com o Pai, que sai sempre muito antes de ela acordar. Nem sei se lhe lavei os dentes. Pede-me para lhe cantar uma canção qualquer das que costumo, mas digo-lhe "não". Dou-lhe um beijinho, digo porta-te bem na Escola e enfio-me no banho. Ah, a culpa. Será que a água me lava a alma da culpa? Não pode ser, não pode ser, não pode ser. Não é vida dormir numa cadeira, não é vida não dormir. Eu preciso desesperadamente de dormir, de descansar. Tenho frio. Hoje, tenho frio. A culpa, ah a puta da culpa. No sítio do meu coração hoje está uma uva passa, mirrada, pesada. Não, não, não. Não vem dormir para outra cama que não a dela. Não dorme ninguém na cadeira. Ainda a consigo ouvir nos seus gritos de birra, como se estivesse gravado na minha mente. Em repeat. Ligo para a minha Mãe em busca de um colo, de mimo, de carinho, de compreensão e apoio. Levo um atestado de incompetência enquanto Mãe, "que estou a fazer tudo mal, a traumatizar, a ser um bicho, que não sei fazer seja o que for bem, que sou casmurra e teimosa e "qual é o mal de a meteres a dormir contigo?!?" Oi?!?!?!?. Apetece-me chorar mas não choro. Não choro. Desligo a chamada e depois falamos, beijinhos. Recuso-me a chorar porque a minha Mãe não o soube ser e foi Avó. Recuso-me a chorar porque tenho sono e frio. Recuso-me a chorar porque me sinto uma merda, um farrapo, uma péssima Mãe mas que só quer o melhor para a Filha. E o melhor não é ela dormir comigo ou de uma cadeira ser feita cama. Não, não, não. Hoje não me apetece ser Mãe. Hoje, apetece-me ser Filha e ter colo e carinho e que alguém me passe a mão no cabelo e me diga que vai ficar tudo bem e que eu não sou a reencarnação do Demo versão Maternidade, porque escolho não ceder às birras de uma criança de dois anos. Apetece-me enrolar-me sobre mim mesma, em silêncio. Hoje não me apetece ser Mãe mas isso é delírio. Sou-o todos os dias. Espero que hoje chova. Pelo menos, fica o cheiro bom da terra molhada no ar.
04 outubro 2013
Notas soltas a uma sexta que poderia ser um dia qualquer...
Ontem à noite, apercebi-me que não sou a super-mulher. Por muito que eu me convença que sim e que levo tudo à minha frente, cansada, eu?!? Isso é para os outros ahahah, eu faço tudo e mais alguma coisa. Ontem apercebi-me que não tenho super-poderes e que sou uma comum mortal. Depois de fazer tudo o que não podia assobiar para o lado e fazer de conta que não era comigo, de brincar, de ralhar porque sua alteza não queria arrumar os brinquedos e "óh minha Menina, se os espalhaste, também arrumas, que eu não sou tua empregada, andamento", fui deitar a Francisca. Dissemos boa noite ao Senhor Sol, ao Cão, ao Leão, à Vaca, ao Croqui, à Mapi, à Missy, à Moo, ao Leo, ao Pippo, ao Mickey, ao Pako, ao Pandi, ao KikoNico grande e depois um beijinho no KikoNico pequeno que carrega com ela para todo o lado. E depois um beijo de boa noite, na bochecha mais doce do mundo inteiro, no cheiro da minha Menina. No silêncio da noite, meti-me debaixo de água a escaldar e fiquei por lá um bom bocado. E senti que não sou a super-mulher. Ouvi o corpo a pedir para parar. Ouvi a cabeça em água a pedir para desligar de contas e experiências e se agora fizer assim e se agora fizer assado? Saí do banho e vi-me ao espelho. Vi as olheiras fundas e os olhos mais pequeninos, como a minha Avó costuma dizer quando me vê cansada. Ainda tentei ver qualquer coisa na TV mas a cabeça voltou a ligar e tive vontade de ir trabalhar para o computador. Contrariei-me e não o fiz, disse "não" a mim própria. Mas o corpo doía. Ontem, doía-me o corpo. E não estou com gripe. Bebi um copo de Vale Pradinhos e fumei um cigarro enquanto via as árvores cá fora. Sim, não sou a super-mulher. Fui dormir ainda nem deviam ser 23h, o que é um feito raro para mim. Adormeci e passei a noite a sonhar. Coisas sem nexo, como descer escadas e de repente cair no vazio. Não foi um sono reparador. Nunca percebi porque sonho repetidamente isso. Em tempos idos, sonhava recorrentemente que tinha um acidente de carro, num sítio muito específico e que me ficava a ver do lado de fora do vidro estilhaçado. Por vezes, tenho sonhos que há quem chame de pesadelos, que não lembram a ninguém. Por norma, também não me lembro do que sonho, apenas acordo com uma sensação de bem-estar ou aquele sentimento estranho, sem definição. O despertador tocou à hora de sempre mas deixei-me ficar até ao limite do que achei razoável (atrasada? não, o meu relógio não bate bem, 'tá bom de ver). Levantei-me e vi que hoje, aqui longe de casa, estava nevoeiro. E tive ainda mais saudades de Casa, dos meus cheiros e manhãs de nevoeiro. Levantei-me e tomei banho. Ouvi um "Bom dia Mánhe. Xixi na sanita, Mánhe!!!". E voltei a vestir a capa de super-mulher. I can do it. Porque não tenho outra opção que não sê-lo. Tratei dela, depois de mim, depois das duas ao mesmo tempo. I'm a super woman. Hoje, ainda tenho de levar com uma ida ao dentista e apetece-me mandar alguém no meu lugar, mas acho que ainda não se pode fazer isso. Pena. Amanhã, terei de trabalhar. I'm a super woman. A energia não vem dos interruptores. Vem de e dos sorrisos. O meu cansaço, guardo-o para mim. Ninguém precisa de saber que há dias em que quando deito a cabeça na almofada, a super-mulher vai para outro lado qualquer e fico só eu. Com as minhas fragilidades, cansaços acumulados e sonhos estúpidos. I'm a super woman. E a minha capa ao vento é o sorriso dela. E o meu, num reflexo.
25 agosto 2013
Speaking of the Devil...
Em breve, a marca dos 2 anos será atingida. Dois anos de Francisca. Dois anos de mim enquanto Mãe. Acho discutível o facto de se começar a ser Mãe no momento em que se sabe que nunca mais estaremos sozinhas neste Mundo ou se se começa quando nos passam uma criança para os braços. Não vou por aí. Neste ano que passou, deixei a medicação que me ajudou a superar a depressão pós-parto numa gaveta. Continuam a estar no mesmo sítio onde os deixei. Claro que também continuo a ter os meus dias. Estaria a mentir se dissesse que não tenho dias em que me assusta de morte perceber que há alguém neste Mundo que vai sempre precisar de mim, que olha para mim à procura de respostas e soluções. Estaria a mentir se dissesse que não tenho dias em que ponho a cabeça entre as mãos e me pergunto se não estarei a fazer tudo ao contrário e "oh meu Deus, e se ela cresce e me odeia porque fiz tudo mal?". Tenho desses dias, ainda. Mas acredito que agora estão fora do âmbito do patológico. Já não tenho ataques de pânico quando a ouço chorar, aprendi a serenar-me. Aprendi e aceitei finalmente que não estava preparada para ser Mãe. Que não sou uma "natural" na coisa, como há muitas Mulheres que o são. Admito-o sem problema algum e quem tiver problemas com isso pode atirar-se aos cães. Tenho dias em que penso se serei capaz. Mas a diferença, é que agora, enfrento-os. Choro se me apetecer chorar porque "it's my party and I cry if I want to". Depois, desligo a emoção por uns segundos, páro e penso com a cabeça, agora lúcida, sem o Devil que me fez companhia no primeiro ano de Maternidade. Acredito que de certeza absoluta que estou a fazer muitas coisas mal. Mas acredito ainda mais que devo estar a fazer muitas mais coisas bem, porque a Francisca é uma criança feliz. Sobretudo, acredito que sou a melhor Mãe que sei. Aprendi a acreditar nisso. A depressão dói. É uma dor excruciante que põe tudo em causa, até se valemos a pena o oxigénio que consumimos. Mas é uma dor que se consegue ultrapassar, no seu tempo certo. A caixa vai continuar ali, a lembrar-me do que ficou para trás. Para eu continuar a ver tudo o que vem para a frente, à nossa frente. Com um sorriso, especialmente, o dela.
12 agosto 2013
Quedas
Os joelhos da minha Filha são uma orgulhosa caderneta de nódoas negras. Francisca corre, pula, salta. Às vezes, cai. Levanta-se, sempre. Mais ou menos chorosa, reclama com o sitio onde se espetou e segue na sua alegria. Olho para estes episódios e penso que um dia, cairá por força da gravidade da vida. É inevitável. O truque das quedas é saber levantar-se. Francisca aprenderá que ser uma fast healer é o melhor a fazer num Mundo que não sustém a respiração num tombo. Aprenderá que as feridas resultantes dessa gravidade apenas sangrarão o que ela permitir. Aprenderá a vive-las mas a sará-las o quanto antes, fechando-as, suturando-as, estancando rapidamente, impedindo assim que possíveis infecções surjam. A vida ensinou-me a ser uma fast healer. Suturo as minhas feridas o mais depressa que consigo. Não preciso de cicatrizes perfeitas, preciso de seguir em frente. Porque o Mundo não pára no desiquilibrio de uma queda, mas segue no momento em que se se levanta e se segue. Francisca aprenderá isso de mim, comigo. A ser uma fast healer. Quando eu não conseguir travar a inevitabilidade de alguns tombos.
03 julho 2013
Maybe tomorrow.
I've been down and, I'm wondering why, These little black clouds, Keep walking around, With me, With me... Há uma rotunda onde saio (quase) sempre na mesma saída. A (supostamente) errada. It wastes time, And I'd rather be high, Think I'll walk me outside, And buy a rainbow smile, But be free, They're all free. A saída é para fora do Desterro. Por vezes, demoro um par de kms a perceber que me enganei. Faço inversão de marcha. Volto à mesma rotunda. So maybe tomorrow, I'll find my way home, So maybe tomorrow, I'll find my way home. Cometo (quase) sempre o mesmo erro. Das vezes que lá passo, saio na placa que diz "Lisboa". Mas Lisboa não é Casa, faz pouco sentido, talvez. I look around at a beautiful life, Been the upperside of down, Been the inside of out, But we breathe, We breathe... É inconsciente e tem dias que a consciência regressa já depois da primeira curva. I wanna breeze and an open mind, I wanna swim in the ocean, Wanna take my time for me, All me... Saio na inconsciência da consciência de (ainda ?) não (me) saber a (em) Casa. Na inconsciência da consciência de saber que (ainda ?) não pertenço a estas ruas e estradas e cheiros e ventos e sabores. Ainda não sei onde é Casa. Talvez me tenha esquecido de onde é Casa. Talvez ainda não tenha descoberto onde é Casa. Talvez nunca tenha verdadeiramente sabido onde é Casa. So maybe tomorrow, I'll find my way home, So maybe tomorrow, I'll find my way home... Cometo (quase) sempre o mesmo erro. Saio na saída que é, supostamente, a errada. Mas sei aonde aquele caminho me leva ou poderá levar. Se eu quiser. So maybe tomorrow, I'll find my way home...
01 julho 2013
É uma questão de esperar.
Há uma torneira que não pára de pingar. Faz aquele som rítmico, irritante, perturbante a altas horas da noite. Ping ping ping. Não a consigo encontrar. Não sei qual é a torneira que pinga para a fechar. Ping ping ping. O barulho dos relógios a altas horas da noite começa a incomodar também. Tic tac tic tac tic tac. As horas a escorrerem-me pelas mãos, o tempo que me foge. O dia que nasce lá fora. Ping ping ping. Tic tac tic tac tic tac. O sol a entrar desavergonhado pelas friestas da persiana aberta. Tic tac tic tac tic tac. O choro intermitente que vem do quarto da Francisca, um mal estar qualquer que a incomoda e que eu não sei identificar. Talvez seja do calor. Talvez seja porque sim. Talvez seja birra, quase de certeza que é birra. A birra de querer-me a tempo inteiro para si, dia e noite, noite e dia, dia e noite, noite e dia. Se puser os phones tudo melhora. A noite não engoliu a Mãe, Francisca. A Mãe só quer dormir. A Mãe precisa de dormir, por favor. A Mãe tem um limite porque é humana e e esse limite já está bem lá atrás. A birra a subir de tom. A Mãe está aqui, a Mãe estará sempre aqui enquanto o tempo lhe permitir estar. Mas por favor, a Mãe precisa de dormir. O colo que ela quer mas que eu já não consigo dar. A minha Filha pesa mais do que eu consigo aguentar em dores. Não sou de ferro. A dor de não lhe poder dar colo. Não é sempre por opção que lhe nego o colo, muitas vezes é por uma questão de saber o que depois se segue. E uma Mãe não cala sempre a dor. A dor das palavras que me atiram. Faço de conta que nem as ouço. Sou melhor que isso. Ping ping ping. Tic tac tic tac tic tac. Já é dia e eu quase não soube o que era a noite mais uma noite. Pesa-me o meu próprio corpo. Pesa-me o barulho na cabeça. Tic tac tic tac tic tac. Se puser a almofada em cima da cabeça talvez volte o silêncio. Não, não resolve. É dia. Acorda. Acorda. Acorda. Anda, deixa-te de ser queixinhas, ninguém quer saber. Aguenta. Levanta-te. Ninguém quer saber se a torneira pinga. Acorda. Há horários a cumprir. Tens deveres a cumprir, tens exigências a satisfazer. Acorda. Acorda. Acorda. Depois, a água bem quente no corpo lava mais uma noite mal dormida. Entro-lhe no quarto em desassossego com um sorriso no rosto e digo-lhe "Bom dia, Filha". Ela responde " Bom dia, Mánhe". E o dia recomeça sem nunca ter verdadeiramente terminado. Com o sorriso que ela me empresta. E com a certeza de que mas dia menos dia, o silêncio na noite regressará.
29 junho 2013
Porque sou má de pessoas...
Já o disse antes: eu sou má de pessoas. Por norma, não gosto muito delas, das pessoas. Em alturas da minha Vida em que tudo o que mais precisava era de sentir humanidade, essa que se diz quente, senti fel e frio. Muito frio. Senti olhares gelados, dilacerantes. Senti indiferença. Senti palavras que me ecoaram e me deitaram literalmente ao chão. Levantei-me, sempre. São marcas que não se apagam. São marcas que nunca vou conseguir apagar porque simplesmente não quero, porque me ensinaram e ensinam a valorizar o doce, o bom, o bem. Enquanto tiver capacidade de me lembrar, não quero esquecer. Não fui sempre assim. Não importa, sou assim agora. Quando gosto das pessoas, gosto mesmo. Gosto de verdade, não gosto mais ou menos, não gosto hoje e amanhã nem por isso porque me dói a cabeça, gosto. Há uns meses atrás, precisei de amparo para mim e para a minha Filha. Adoecemos ambas ao mesmo tempo. Precisei muito de ajuda. De colo. De carinho. Lembro-me de naqueles dias ser um farrapo rasgado pela doença e pela angústia de não conseguir cuidar da Francisca. Não pedi ajuda, a ajuda veio ter comigo. Levou a minha Filha doente e cuidou-a como se dela fosse. Passou a noite em claro com ela, tendo ela também dois filhos pequenitos para cuidar. Alimentou-a. Medicou-a. Deu-lhe banho. Vestiu-a. Deu-lhe colo e mimo, como se fosse dela. E eu nunca vou esquecer isso. Muito mais do que quem minha Filha beija, minha boca adoça, ela foi Mãe para a minha Filha quando a doença me deitou numa cama. Ela, vai sair desta Cidade onde me desterrei de raízes e das minhas Pessoas. Ela, a quem eu tanto me afeiçoei e de que tanto gosto, vai finalmente sair desta Cidade para a que há muito desejava, para melhor. Vai ser mais feliz, ou pelo menos, é o que se espera. Fico feliz por ela, de verdade que sim. Mas sei que no dia em que precisar, não lhe poderei ligar, despida de merdices de durona e dizer "preciso de ajuda". Sei que não vai haver tão cedo alguém que saiba que eu sou uma merda enquanto durona fechada entre quatro paredes e que se aperceba que eu preciso de ajuda muito antes de o admitir. Sei que sou má de pessoas. Mas sei que quando gosto, gosto mesmo. Gosto de verdade, não gosto mais ou menos, não gosto hoje e amanhã nem por isso porque me dói a cabeça, gosto. E por muito que a Vida mude, a Vida deu-me a benção de conhecer uma Pessoa assim. E o meu Mundo de Pessoas ficou mais bonito também por causa dela, porque um dia, aprendi que o que ela fez, poucos o fariam por mim. E que mesmo sendo má de pessoas, há Pessoas que se cruzam comigo e que me fazem perceber que afinal, apesar de ser má de pessoas, a Vida me tem dado a sorte de Pessoas como ela se cruzarem no meu caminho. Serei-lhe eternamente grata. Quero que quando for tempo de ela começar a sua nova Vida, numa outra Cidade, numa outra rotina, num outro céu azul, leve um abraço bem sentido meu e a sensação de que, por muito que a Vida mude, estarei aqui para ela. Como ela esteve para mim.
25 junho 2013
Porque há dias assim...
Em conversa com uma colega grávida, eis que tudo volta à minha memória. Porque ela tem medo. Medo do que vem depois. Medo da depressão pós-parto. Medo da amamentação. Hoje em conversa com ela, veio mais uma vez a porcaria do sugar coating da Maternidade à baila. Deixem-se de tretas. Ser Mãe é maravilhoso. Mas não é uma estrada sem buracos. Não é um caminho perfeito. Nem sempre tudo é doce e harmonioso. Hoje, pela segunda noite consecutiva em que fui contemplada com gritaria desenfreada noite fora, com pouco mais de três horas de sono, pela segunda noite consecutiva, sleep deprived, ela abriu-se comigo. E eu, que fico desbocada quando me roubam o sono, disse-lhe a minha vivência. Disse-lhe que podia contar comigo para falar. Porque um dia, talvez haja mais gente com coragem de admitir que às seis da manhã, quando se vê o sol raiar e os ouvidos são invadidos por zumbidos, há nada onde por sugar coating. É duro. É desgastante. É extenuante. Apetece chorar. Apetece pedir por favor. Apetece cair no chão. Apetece pedir ajuda. Apetece pedir conforto para a Mãe que (também) sou. Ela abriu-se comigo. E eu ouvi. E ajudei como pude, com a verdade, sem sugar coating. Porque no dia em que houver mais gente a explicar que sim, é a melhor coisa da tua Vida, mas será a que mais te exigirá, te levará aos limites, haverá menos gente a achar-se estranha porque quando vê o sol raiar, às seis da manhã, lhe apetece chorar de cansaço. Mas não se chora. Aguenta-se. Admite-se o cansaço, mas não se chora. Não se desiste. Não é opção sequer. Lava-se a cara. Põe-se tapa olheiras em quantidades industriais. E a vida decorre. Ela abriu-se comigo. E eu respondi, de sorriso no rosto e voz trémula e olhos com água. Porque tudo voltou à memória, hoje, em que o cansaço fala mais alto.
01 maio 2013
Sei nada sobre ser Mãe...
Não sei as respostas a porque chora, muitas vezes. Não sei perceber tudo o que me diz. Não sei cantar canções de embalar. Não sei de cor todos os truques para evitar birras. Não sei não ter vontade de fugir de cada vez que vomita. Ou que a fralda me faz querer ficar inconsciente. Não sei não ter de contar até três, para evitar palmada certa, de cada vez que atira alguma coisa à cabeça da Mofli e eu tenho pavor que a canita se me desfaleça. Não sei outro lema que não quando a coisa passa os limites que chamá-la de volta à Terra e ao "Reino do quem ainda manda aqui minha Menina, sou eu". Não sei perceber como é que é possível fazer tanto barulho. Ou destruir tanta coisa. Ou comer tanta porcaria do chão em segundos. Ou querer fazer miminho e acabar a levar uma valente bofetada. Não sei costurar e fazer bolos maravilhosos. Não sei ter prazer em cozinhar ou fazer sopa. Não sei não ficar com vontade de voltar para a cama quando chora às 3 da manhã. E às 5. E às 6. Não sei não ranhosar baixinho entre um quarto e o outro um "dorme, dorme pelo amor da santa....fazer ó-ó". Não sei não pensar que "eh pá, dorme lá mais dez minutos que tenho que fazer". Não sei ponta de psicologia infantil. Também não sei achar piada a quando decide pendurar-se no meu cabelo. Ou pisar-me porque sim. Ou gritar na rua e fazer olhos alheios notarem a minha presença. Mas sei sentir vida quando me sorri. Quando me procura o colo e encosta a cabeça no meu peito. Sei fazê-la rir. Sei os seus pratos preferidos, os iogurtes que mais gosta, a papa que detesta. Sei que gosta mais da pepé azul para chuchar e da castanha para morder e trazer enfiada no dedo. Sei as vaidades que vai criando e como gosta de por perfume de manhã e dizer "chiqui" quando a borrifo. E como gosta de abrir as tampas dos iogurtes e de as lamber. Sei-lhe os olhos pestanudos. Sei-lhe as músicas que a fazem abanar a cabeça e as pernitas e as que a fazem rodopiar. Sei-lhe a panca da Segunda e as pancas que já teve e as que tem. Sei-lhe o cheiro de cor. Sei-lhe o ritmo da respiração. Sei-lhe a voz entre muitas outras. Sei-lhe a mão pequenina que procura a minha antes de adormecer, enquanto me murmura "mão, mão". Sei-lhe as bochechas rosadas e o sorriso fácil. Sei que é uma criança feliz. Sei nada sobre ser Mãe. Só sei ser Mãe da Maria Francisca.
08 abril 2013
Quanto pesa essa dor?
Os olhos prenderam-se nela mal entrei na loja. Da "seita", diria o meu Pai. Teria uns 14/15 anos. Muito bonita. Daquelas miúdas a que não se fica indiferente. Não foi por isso que me chamou a atenção. Foi a pele desnutrida, baça, prematuramente envelhecida. Remexia nas prateleiras de produtos para emagrecer, com aquele ar de quem sabe perfeitamente que não o deveria mas tem de o fazer. Dei a volta e fiquei do outro lado das prateleiras, olhando-a. Teria uns 14/15 anos. O cabelo baço, comprido. Os olhos sem luz, perdidos nos produtos para emagrecer. Oscilava entre comprimidos, cremes e chás. Lia com atenção as embalagens, concentrada. Teria uns 14/15 anos. A roupa larga que não escondia a fragilidade. Estava sozinha. Talvez só. Fiquei largos minutos a olhá-la. Tive vontade de me aproximar. Sei que seria mal recebida. Sei que seria mal interpretada. Fiquei do outro lado, apenas. Com vontade de lhe dizer que há vida além disso. Que tem de parar, agora. Que se ultrapassa. Que a vida é tão melhor fora dessa prisão. Que basta ter coragem de chorar e deixar ser ajudada a erguer-se. Que as gramas da Vida valem mais que os kg do corpo. Um corpo que um dia cede ao peso dessa dor. Saiu depois de levar o que achou que lhe traria a paz a uma mente à deriva.. Não me consigo esquecer da cara dela. Não me consigo esquecer do meu silêncio ao assistir a um quase deja vú. Secretamente, quando a vi sair, pedi que deixasse que alguém a ajudasse a seguir em frente. Livre. Do alto dos seus tão bonitos 14/15 anos...
02 abril 2013
Vamos por o sugar coat de parte, sim?( Querida Ana Maldivas...)
Querida Ana Maldivas,
Isto há dias que não lembra ao Menino Jesus, Ana! Dias em que tudo o que me apetece é ser filha e não Mãe... Que se me esconder debaixo das cobertas ninguém me vê e me encontra e fico a fazer o que quero. Dias que começam com jactos de leite quente na cara. Ou papa. Ou mãos gordurosas no que apetecia mesmo vestir. E o drama de vestir o bibe. O drama de vestir o casaco. Ah, e o drama da cadeirinha, esse objecto de tortura psicológica na versão Toddler prancha? Há dias assim, Ana. Semanas, por vezes. Dias em que gostava de chegar a casa e morrer estúpida no sofá. Fumar um cigarro em paz com a minha música. Comer no sofá a meu bel prazer, sem vir uma mão ligeira e me mandar tudo ao chão. Dias em que só fico a olhar para o rol de asneiras e a pensar como é possível em 5 minutos fazer tanta asneira. Deixa o piaçaba criatura de Deus, ca nojo! Não podes morder a Chica. Nem a Mofli. Muito menos a Mãe. Estás a gritar porquê? Pára de gritar. E agora choras? Mas estás a chorar porquê? Não mexe, é da Mãe. Não mexe, estraga. Não. Não. Nãaaaaaaao. Não salta no sofá! Nãoooooo! Estás a chorar porquê? Não adianta rebolar no chão. Não adianta gritar mais alto. Não cedo. Não é não e quem manda aqui, sou eu! É Ana, dias há em que separar-lhe a roupa para o dia seguinte me parece tarefa difícil de executar. Noites em que me levanto cheia de frio, atordoada. Mas levanto-me... porque a única coisa neste Mundo que a cala é segurar a minha mão. Não precisa de mais, basta a minha mão na dela entre as grades da cama. Depois lembro-me do suspiro que faz quando me sente e tudo melhora. Porque há alguém para ela e esse alguém sou eu. E tudo o resto, limpo da memória. Apago. Porque não tenho outra opção. Porque há alguém para ela. E esse alguém sou eu. Tudo para te dizer, querida Ana Maldivas, que isto há dias que não lembra ao Menino Jesus. E quem não os tem neste papel, força, atirem a primeira pedra. Eu odeio maternity sugar coat. Não vou mudar. Ponto. Tudo isto para te dizer, minha querida Ana, que és capaz e não uma nódoa como Mãe.
Um beijinho, Ana.
16 março 2013
Todo o tempo do Mundo...
Às vezes, torna-se complicado gerir em mim o trabalho e o ser Mãe. Torna-se numa luta entre o querer, o dever e o fazer. Quando saí para ir buscar a Francisca à Escola, depois de mais uma vez ter feito um febrão, pensei imediatamente em tudo o que tinha para fazer e no que havia de levar comigo para casa, contando já não voltar mais essa semana e quem sabe, uns dias da seguinte. Arrumei tudo e fui buscá-la. Passei a tarde nas urgências, com uma miúda bem disposta, na boa. Mas o pensamento de "e agora, como vou fazer o que preciso?" quando soube que estava doente, deu-me um aperto cá dentro. Às vezes, tenho muito medo de me tornar na Mãe que tive até uma certa idade. Na prática, não tive. Cresci pelas mãos do meu Pai. A minha Mãe, sempre a trabalhar, sempre ocupada, sem tempo, sem disponibilidade mental sequer para ouvir as minhas gracinhas, os progressos ao Piano, as aulas de dança, os meus primeiros amores falhados, as boas notas, as festas de aniversário a que ia, as zangas com as coleguinhas. Na altura e na proporção da idade, tudo dramas de faca e alguidar. Cresci pelas mãos do meu Pai. Cresci bem. Cresci muito na onda de brincar com tudo que não bonecas e tachos. A saber como funciona uma embraiagem, o que significa sangrar os travões e o que é um carter, por exemplo. A saber que ninguém é mais que ninguém e não se pisa, não se usa, não se trepa, seja porque motivo for. E a minha Mãe, continuava no seu trabalho. Quando nasci, trabalhava em dois sítios. Saía de um turno e entrava noutro. Depois, entrou na vida da Academia e o tempo ainda mais (me/lhe) escasseou. Houve alturas em que a via, com sorte, dois dias por semana. O tempo, para mim, que crescia ali, era reduzido, dado a conta gotas. E eu crescia e entrava na adolescência e como se sabe, ser adolescente é uma grande merda. É, é uma grande merda. O Mundo está todo contra nós, ninguém percebe o drama que se vive porque naquele dia nos apareceu uma borbulha. E eu, já mais crescida, comecei a fechar-me. O meu Pai é Homem pouco dado a carinhos, não lhe ia correr para o colo a dizer que o Mundo ia desabar porque as calças tinham ido para lavar e tinham de ser aquelas. Não lhe ia correr para o colo a perguntar o que estava de errado comigo, porque achava que nunca nada estava bem. As notas tinham de ser 100% porque pura e simplesmente, mais não dava. O Piano tinha de ser o mais sentido. A Dança tinha de ser a mais fluída, a mais graciosa. Tudo nos extremos da perfeição. Perfeição, perfeição, perfeição. Ao mm, à milésima, à mg do peso. A cara não estava bem, o cabelo não estava bem, a barriga não estava bem, as mãos não estavam bem. Tudo estava mal em mim. Tudo. Tudo. Tudo. Nunca nada era bom o suficiente, sempre a mesma sensação de falhar, sempre o mesmo sentimento de não ser boa o suficiente em nada e para nada. Sempre. Atacou-se o mais simples: eu, a mim mesma. Fechada, calada, presa na minha cabeça que depois me prendeu no meu próprio corpo. Livre, dentro de uma prisão, que eu mesma fiz. Um dia, os Professores começaram a reparar nas olheiras. No cansaço. No olhar perdido, triste. Na menina que já não ria, já não sorria, não gargalhava, não queria brincar, não queria nada, a não ser uma qualquer perfeição que aprendi à força ser utópica. Chamaram a atenção, perguntaram o que se passava. O meu Pai disse que nada sabia. Como poderia? Fechada. Calada. Em silêncio. Num sofrimento atroz que me desfez por dentro, bocadinho por bocadinho, com o passar dos dias, que deram lugar a semanas, que se transformaram em meses e que duraram anos. A minha Mãe, profissional de saúde, desvalorizou, coisas de adolescente. O tempo, o tempo que lhe faltava para me ver e não só me olhar. Um dia, os Professores ligaram a informar que tinha desmaiado e caído mal. Nesse dia, percebeu tudo. Viu-me e não olhou só. Nesse dia, a minha Mãe ligou à Terra. Nos anos seguintes, o tempo passou a ser gerido, balançado e não a pender só para um lado. Eu, juntei os bocadinhos todos do que fui, e das muitas lágrimas fiz de mim o que sou hoje, com um sorriso. Gosto muito da minha Mãe. Reconheço-lhe todo o mérito e esforço para estar onde está. Foi e é a melhor Mãe do Mundo, a que pode ser, a que sabia ser. É a minha Mãe. Mas de quando em vez, temo. Porque penso, muitas vezes, que não me mato tanto para nada. Que quero ir mais longe, mais além, mais qualquer coisa. E temo. E organizo-me. E relativizo. E faço contas às horas dos dias e das noites. Ainda é pequena, a minha Filha. Mas vai crescer. E eu quero que ela tenha a certeza que a Mãe tem todo o tempo do Mundo para ela. Para um abraço. Para ver a nova gracinha. Para ralhar. Para educar. Para saber como reage a algo. Para curar um dói-dói. Para passear na rua. Para saber o nome dos Amigos que a Vida lhe há-de trazer e o nome dos que a Vida lhe vai roubar. Todo o tempo do Mundo, Francisca. Porque em nenhum livro vem a receita mágica, porque faço o melhor que sei, que posso, que consigo. vou testando. Porque o meu colo, fisicamente a chegar ao limite que o ter-te impôs na minha resistência, no que aguento sem lágrimas nos olhos, existe porque tu, Francisca, existes. E nele, terás sempre todo o tempo do Mundo...
12 dezembro 2012
Dos cinzentos pelo meio...
Escreve, apaga, for my eyes only. Papéis e mais papéis e tantos papéis. Pede, explica, contorna e volta tudo ao mesmo. As opções que foram as minhas e que foram diferentes das opções dos outros para mim, são agora as minhas dores de cabeça, os cinzentos nos meus dias, as rugas na minha testa. Escreve, apaga, for my eyes only. Procura, pesquisa acha que encontra e engana-se. Suspirar, encolher os ombros, apanhar os cacos do chão e lembrar que podia ser pior, pode sempre piorar, nada de brincar com Murphy. Papéis, de onde apareceram tantos papéis, tantos papéis senhores, como é possível? Mas ao menos, com a certeza que estes meus cinzentos e estas dores de cabeça, são as que eu escolhi. Mais ninguém...
06 dezembro 2012
As crianças dos outros e a minha...
Não sei se é da altura do ano, mas todos os dias passo os olhos no Facefronhas e encontro mais um apelo de quem precisa de ajuda. De Mães, de Pais, de Avós, que pedem desde a um milagre a um aconchego de barriga. Há dias em que esses apelos me parecem como que agulhas, como que cair em águas gélidas. Magoam-me, perturbam-me, entristecem-me, reviram-me toda por dentro e deixam-me com um nó na garganta e à beira das lágrimas.
A minha criança nunca esteve verdadeiramente doente até ao momento em que deito esta dor de alma fora. Claro que já teve as suas coisas, como qualquer outro petiz. Mas nada de grave, nada que não fosse passível de resolução com maravilhas farmacêuticas, muito colo, muito mimo, muita ternura. Nunca dei por mim a pensar que não teria possibilidade de trocar o leite xpto pelo leite assim ou pelo leite assado, se teria fraldas até ao fim do mês, se lhe poderia por pão na boca e leite na barriguinha. Se teria um agasalho mais quente para um dia mais frio, e tantos outros ses que vêm com o peso de trazer uma vida ao Mundo. Por isso, as estórias de crianças gravemente doentes ou com necessidades básicas que não se consegue suprimir, atiram-me, sem dó nem piedade, para aqueles momentos em que ponho a mão na consciência, ajoelho-me de fraqueza e pequenez e agradeço. Agradeço por tudo o que até hoje nunca faltou, desde saúde a bens essenciais.
E depois, penso que se calhar o Natal que tanto me aborrece, até terá alguma utilidade na sociedade, despertar consciências talvez seja uma delas. Mas lembro-me que o Natal é só uma vez por ano (ufa) e que estas crianças precisam de muito e que não apenas a "caridadezinha" do espírito da época, para quem o tem. E mais uma vez, entristece-me que só se lembrem das "crianças dos outros" porque, afinal de contas, é tempo de Natal...
29 novembro 2012
De saudades (também) se fazem os dias...
Fazem-me falta, de verdade. Fazem-me falta os meus cúmplices de tropelias. Faz-me falta olhar across the room e saber que nos estamos a rir da mesma coisa.Que aquele sorriso atravessado ou aberto é isto ou aquilo. Ou que estamos a pensar na mesma coisa, regra geral, asneira. Sem ser preciso dizer, explicar, dissecar, analisar. Fazem-me falta. De verdade. O Inz, o Sid, a Babe, as Bacas, o Matt. E outros. Espalhados de Norte a Sul, espalhados por fusos horários diferentes, por diferentes latitudes e longitudes. Fazem-me falta. De verdade. Saber que se aparecer de manhã com aquela cara, ninguém abre a boca e procura descobrir a ferida. Porque sabem que choro. E sabem que eu não gosto de chorar, muito menos em público. E sabem que eu gosto de Sextas e odeio Segundas. E que bebo café a mais mas que não adianta, sou assim. E sabem que eu estou aqui. Longe, mas pertinho.
Gosto de vocês. Vocês sabem, mesmo que não o diga muito. Fazem-me falta. De verdade.
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