Foste uma criança sozinha, mas não solitária. Foste, em boa verdade, uma criança feliz. Uma criança cujo Pai levava a andar nos lálés (baloiços) e para todo o lado. Uma criança de cabelo comprido, aos cachos, pelas costas. Gostavas muito quando alguém tinha tempo para te fazer uma trança, lembro-me que te sentias bonita. Uma criança que gostava de Legos e de carros. Desde cedo, mostraste que a tua apetência para artes manuais roçava o hilariante. Mas tinhas ouvido para Música. Deram-te um órgão aos 5 anos. Foi o começo de um caminho que eu depois te encerrei. Sem mágoas. Foste uma criança que odiava comer e fazia por isso todas as refeições um martírio para quem tentava, a muito custo, alimentar-te. Sempre foste má de comida, verdade seja dita. Na festa de fim de ano (ou curso?) do Infantário foste a Cinderela, de vestido de cetim azul claro. Nunca perdoei a Zi ( a Educadora) ter-te posto em semelhantes propósitos. Lembro-me, ainda hoje, do desconforto de tantos olhos a caírem em mim. Aprendi aí que gosto de ser invisível, que nunca serias talhada para a spotlight. Foste uma criança que, quando aprendeu a ler, andava sempre com um livro pendurado. Aprendeste a negociar com o teu Pai em como ter um livro de 3 em 3 dias, explicando-lhe que não tinhas culpa de ler rápido e de gostares de o fazer. Dei os teus livros quase todos, a primos e a crianças que não tiveram a sorte de ter alguém que lhes pudesse proporcionar o prazer de sentir as folhas de um livro na mão, de sentir o cheiro dos livros, de dobrar os cantos das folhas. Foste uma criança com muito mimo mas pouco mimada, não havia espaço a ponderar sequer que o Mundo girava à tua volta. Foste a criança que o tempo fez crescer em mim, a mim. Eu. A ti criança, sei que nem consegui fazer de todos os teus sonhos realidades. Mas guardo o melhor de ti: a infantil inocência do bonito, a inocência do puro. Guardo-a com precioso carinho. Num sítio cujo mapa só eu conheço. Guardo a inocência de(a) criança e da pureza do sangue nas veias, em mim.
14 junho 2013
A mim, criança...
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3 comentários:
Tão doce.
Mais um texto muito bom... Eu sei que és das ciências, mas acho que devias pensar seriamente em ser das letras também! Os teus textos davam um livro muito muito bom, já pensaste nisso?
Tão bonito, querida.
Gosto tanto de te ler. Gosto tanto de ir sabendo mais um bocadinho de ti.
Um beijo cheeeeio de saudades*
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