No prédio existem 4 apartamentos. 3/4 dos habitantes do prédio são minimamente normais. 1/4 foi o erro de casting. O erro de casting do prédio é um homem recém divorciado na casa dos 30 e muitos. Feio como os trovões. Antipático. Gosta de limpar ele mesmo as escadas do prédio, em boxers justos, havaianas e com o seu gorro tenho-um-guaxini-na-cabeça. A visão do inferno. A mulher deixou-o e levou o filho para o Canadá. O erro de casting padece agora de solidão crónica.
Encontrou-me um destes dias a sair do prédio. Pela primeira vez em muitos meses dirigiu-me a palavra:
- Olá minha Senhora (senhora???). Está boa? Ai as minhas costas!
- Olá boa tarde. Tudo bem, obrigada! (fugindo para o carro)
- A menina está boa?
- Sim obrigada, está no infantário.
- Aqui???- diz ele como se tivesse ouvido a voz do demo.
-Sim, já viemos de vez para cá- respondo de dentro do carro, a colocar o cinto e a rezar para que o homem fosse pregar para outra freguesia. Custava-me dar numa de sou mouca, não o ouço, adeus adeus...
Ele insiste, com ar horrorizado:
- Não faça isso. Olhe eu vim para cá, a achar que esta a fazer uma grande coisa e agora estou aqui, sozinho. A minha mulher deixou-me, fugiu, voltou para o Canadá. Estou aqui sozinho. Esta terra não tem nada, fujam daqui os 3 enquanto podem. Estou aqui sozinho. Encolheu os ombros e repetiu mais uma vez antes e me desejar boa tarde:
- Sozinho.
Naquele momento, senti-me tocada pela maneira como o erro de casting extravasou a sua dor, a sua solidão. Com uma vizinha praticamente desconhecida. Porque a solidão não mata, mas mói.
5 comentários:
Confesso que no inicio estava a achar piada mas depois fiquei com certa pena do senhor. Não o conheço e só deus sabe o que ele é mas faz-me pensar na quantidade de pessoas que vivem na solidão ..
Eu quando estudava e tinha exames ficava lá (na terra onde estudava) aos fins-de-semana... Ao domingo até os cafés normais fechavam e eu dava uma voltinha e chegava a casa às 3 ou 4 da tarde e fechava a porta à chave e não saía mais... Sentia uma solidão tão grande... E era 1 dia, 1 domingo, corta-me o coração pensar que há gente que vive assim uma vida inteira!
Coitado do homem! É que depois as pessoas ficam tão chaladas que nem se conseguem relacionar normalmente sem que até os vizinhos tenham medo delas!
Até me apertou o coração.
Fiquei com pena dela, confesso.
A solidão aprisiona, a solidão mói e magoa demais.
Estou como a Silvana, no inicio até estava a achar piada e na expectativa de como iria acabar. No fim fiquei com muita pena do senhor. A solidão doi muito e infelizmente há tantas pessoas assim...
A mim tocou-me mesmo muito sentir a solidão do senhor. Passei o resto do dia a pensar em como se deve sentir para decidir desabafar com uma quase desconhecida!
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