[tinha um sonho recorrente: um grande bolo de chocolate, uma fatia geometricamente perfeita. o meu bolo favorito nos dias da minha infância, um bolo de chocolate com calda. há mais de 20 anos que não o como. durante muitos anos, foi recorrente sonhar que corria para o alcançar e não conseguia. parar sem fôlego. a sensação de falhar. non sense. era uma fatia de bolo, não deve ser levada tão a sério. as noites mudaram de conteúdo. por vezes, existe um lobo mau que me vai comer, gritado do quarto ao lado, em desespero profundo. as lágrimas grossas, o medo que o lobo mau me coma. os braços maiores do que quando o seu corpo magro era apenas o meu antebraço. mas ainda tão e muito sedentos de crescer, enrolados à volta do meu pescoço. as lágrimas que lhe escorrem, secas no meu peito. shhhh shhhh. silêncio. o relógio da casa de banho faz tic tac doc. a cadência do tempo. nunca consegui encontrar a receita do bolo. era a minha Tia que mo fazia. perdeu a receita. não a sabe de cabeça. o relógio... tic tac doc. a Mofli dorme agitada, suponho que corre também atrás de algo que não alcança, pelo movimento das patas. fica verdadeiramente cómica. os cães também sonham. eu acho que sim. os gatos não sei, mas suponho que terão sonhos mais simples, sonhos de senhores de si e do mundo que gira à sua volta. a Chica não sonha mas costuma rebolar da cama e cair. nunca cai desamparada. os gatos caem sempre de pé. por vezes também me esqueço dos limites da cama e sinto o frio do chão, com toda a força que a gravidade impõe à queda. a Francisca suspira muito quando dorme serena. ainda está escuro lá fora. tic tac doc. talvez nunca volte a comer aquele bolo de chocolate da minha infância. muito menos o alcance em sonhos. mas tenho a certeza que o lobo mau não me vai devorar. shhhh shhh. tic tac doc. ]
*pensamentos/minuto
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