I know there's so much left to seeI know I have so much left to giveBut the memories remain, yet the scars don't feel the sameFilling page just one by one, in the warmth of other suns
(A Francisca começou a perguntar pelas minhas cicatrizes. Digo que são feridas que a Mãe fez há muito tempo e ela pergunta se doem, passando a mão nos meus braços. Não Filha, não doem. )
Lembro-me de uma vez, há muitos anos, a minha Avó ter partido uma boneca de porcelana (horrorosa) mas que, nem sei muito bem porquê, a minha Mãe lhe tinha estima na altura. Fez-me "shhh, a Avó vai colar e tu não vais dizer à Mãe, está bem? É o nosso segredo!"*. Anui e continuei na minha vida, atarefadíssima, própria de quem tem 4, 5 anos. Uns anos mais tarde, encontrei a boneca, agora já na classe de cangalhada. Olhei para ela e recordei-me que se tinha partido e de toda a estória. Ao primeiro olhar, estava intacta e feia como sempre tinha sido. Mas, se passasse o dedo por ela, sentia-se perfeitamente o rebordo da fractura, a imperfeição da cola, as partículas minúsculas em falta que faziam com que a porcelana não unisse por completo. Demorava para perceber tal imperfeição. De relance, estava impecável. Era só uma boneca mas talvez seja essa a grande diferença que existe entre perceber as quebras e as marcas que a Vida traz a quem nos rodeia: a capacidade de ver em vez de só olhar.
(A Francisca começou a perguntar pelas minhas cicatrizes. Digo que são feridas que a Mãe fez há muito tempo e ela pergunta se doem. Já não doem as cicatrizes Francisca, mas há feridas que se sentem apenas vendo com os olhos da alma, que é o coração. )
* Não fiquei nada caladinha. A primeira coisa que fiz quando o meu Pai chegou foi logo ir contar-lhe. Queixinhas!
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