30 dezembro 2014

Eu sabia que tinha alguma coisa de errada

"Enquanto somos crianças, vamos aprendendo as regras básicas da vida em sociedade. A escola, os pais, a família alargada, as pessoas que nos rodeiam, vão transmitindo (espera-se!) aquilo que são os princípios de convivência social. Uma espécie de dez mandamentos em versão cívica. Não matarás, não roubarás, não comerás com os cotovelos em cima da mesa. E como diria o outro, e muito bem, it takes a village.

À medida que vamos crescendo, é necessário aprender a dominar outras linguagens para não sermos triturados por uma comunicação mal sucedida. Encontrarmos a melhor forma de lidar com o Toninho do 9ºC, que decidiu ir-nos à tromba (agora chama-se bullying, tenho de me actualizar), saber como cantar a canção do bandido à Sara Marisa das mamas grandes, dizer as palavras certas ao nosso chefe para nos mantermos à tona lá no trabalho. Isto implica conhecer os códigos de conduta, dominar a linguagem não verbal e saber como, aqui e ali, desferir um soco rápido rezando para que seja suficiente (mais no caso do Toninho, se ele não vier com os amigos).
Para quê esta reflexão aturada e profunda? Bem, porque quando temos putos, passamos a jogar um campeonato ainda mais complexo e impiedoso: a etiqueta parental. Passo a explicar. Se o puto está a brincar no parquinho enquanto um gajo lê o jornal no banco mais próximo, e no mesmo parquinho também está o pequeno Sancho com a mãezinha, temos uma situação sensível de etiqueta parental a cumprir, ou a desrespeitar. Começamos logo por aí. Um tipo não pode estar placidamente a ler o jornal enquanto o puto brinca, ainda que, claro está, com um olho no burro e outro no cigano. Naaão. Temos que estar à beira do petiz, perscrutando cada movimento à procura do mínimo sinal de alarme. Fica aqui ao pé da mãe, amor. Olha o buraco. Não subas que é alto. Não desças que é baixo. Anda beber água. Anda comer o pãozinho. Não vás para aí. Olha que cais. E ao fim de um bocado, esse olhar perscrutador já anda em busca do progenitor desnaturado que não está, como ela, de olhos fixos no puto.
E se, nesta fúria protectora, o puto cai e começa a chorar, e um gajo ainda demora uns segundos a dobrar o jornal? Ui. Um gajo parece um pária, um excluído do mundo dos progenitores. Como pode o petiz estar mais de 1,5 segundos desamparado? (para não falar das multas da brigada do ai-jesus por o puto andar de triciclo sem capacete e joelheiras e luvas e o camandro).
Mas não ficamos por aqui. Obviamente que o pequeno Gui não pode estar simplesmente a brincar; tem de beber água, comer um lanchinho, uma lambarice. E o nosso puto também vai querer, claro. E depois lá tem um gajo que interromper novamente a leitura para dizer que não, obrigado, o puto já comeu e não quer um danoninho ou um bocado de bollicao ou beber da água do pequeno Caetano. Ou então interromper a mãezinha que, sem perguntar nada, tomou ela própria a iniciativa de dar suminho ao menino, coitadinho que também quer. Acho que vou por uma placa ao pescoço do rapaz: É FAVOR NÃO ALIMENTAR O PUTO.
E depois a pièce de résistance. Qual é a coisa mais provável de acontecer entre putos de 3 ou 4 anos quando estão a brincar? Isso mesmo, andar ao sopapo.  Mas atenção às subtilezas. Se se engalfinham, é obrigatório intervir, mesmo que não chorem, mesmo que pareçam estar a resolver a coisa entre eles. Um dos motivos mais frequentes? O Matias é incapaz de sair de casa sem um monte de carrinhos e bonecos e o raio que depois servem de pomo da discórdia. Irra. Vão para a rua, levem os sapatos. Ponto. Uma versão dos sopapos é o pequeno Vicente ser um estuporzinho litigante que distribui porrada por dá cá aquela palha, e que tem uma correspondente mãezinha que não vai além do então, amor, não se faz… pede desculpa ao menino… e que só acalma com um evil eye que diz fazes isso outra vez e levas no focinho. Muito útil, essa técnica, recomendo. Mas sempre numa altura em que a mãezinha não esteja a olhar, não queremos cá incidentes diplomáticos. Deus nos livre. " 

pelo Pai Anónimo, no Eu, Mãe, aqui

(estava a ler isto, que supostamente é a versão masculina e caiu-me a ficha que sim, de facto, devo ter um défice qualquer, hormonal ou assim, será grave? É que me revi neste texto não no lado da Mãe fofinha mas no do Pai Anónimo, óh-meu-deus-não-sou-fófinha!!!! Já agora, confirmo que o olhar de "volta a fazer isso levas e no focinho faz ma-ra-vi-lhas!) 

4 comentários:

  1. nos crescemos numa geracao em que nos deixavam correr na areia, andar a "porrada" com os outros e somos pessoas normais. Acho que hje em dia ha proteccionismo a mais. Deixem os putos ser isso mesmo, putos! Se cair aprende a levantar-se

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  2. Tambem vi esse texto e adorei! É que às vezes nem se consegue estar à vontade quando há mãezinhas cismadinhas por perto ( e alguns paizinhos também, vá!)

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  3. Acabei de ler o mesmo texto no eu, mãe! e pensei o mesmo.
    Estou contigo!

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