Há uma torneira que não pára de pingar. Faz aquele som rítmico, irritante, perturbante a altas horas da noite. Ping ping ping. Não a consigo encontrar. Não sei qual é a torneira que pinga para a fechar. Ping ping ping. O barulho dos relógios a altas horas da noite começa a incomodar também. Tic tac tic tac tic tac. As horas a escorrerem-me pelas mãos, o tempo que me foge. O dia que nasce lá fora. Ping ping ping. Tic tac tic tac tic tac. O sol a entrar desavergonhado pelas friestas da persiana aberta. Tic tac tic tac tic tac. O choro intermitente que vem do quarto da Francisca, um mal estar qualquer que a incomoda e que eu não sei identificar. Talvez seja do calor. Talvez seja porque sim. Talvez seja birra, quase de certeza que é birra. A birra de querer-me a tempo inteiro para si, dia e noite, noite e dia, dia e noite, noite e dia. Se puser os phones tudo melhora. A noite não engoliu a Mãe, Francisca. A Mãe só quer dormir. A Mãe precisa de dormir, por favor. A Mãe tem um limite porque é humana e e esse limite já está bem lá atrás. A birra a subir de tom. A Mãe está aqui, a Mãe estará sempre aqui enquanto o tempo lhe permitir estar. Mas por favor, a Mãe precisa de dormir. O colo que ela quer mas que eu já não consigo dar. A minha Filha pesa mais do que eu consigo aguentar em dores. Não sou de ferro. A dor de não lhe poder dar colo. Não é sempre por opção que lhe nego o colo, muitas vezes é por uma questão de saber o que depois se segue. E uma Mãe não cala sempre a dor. A dor das palavras que me atiram. Faço de conta que nem as ouço. Sou melhor que isso. Ping ping ping. Tic tac tic tac tic tac. Já é dia e eu quase não soube o que era a noite mais uma noite. Pesa-me o meu próprio corpo. Pesa-me o barulho na cabeça. Tic tac tic tac tic tac. Se puser a almofada em cima da cabeça talvez volte o silêncio. Não, não resolve. É dia. Acorda. Acorda. Acorda. Anda, deixa-te de ser queixinhas, ninguém quer saber. Aguenta. Levanta-te. Ninguém quer saber se a torneira pinga. Acorda. Há horários a cumprir. Tens deveres a cumprir, tens exigências a satisfazer. Acorda. Acorda. Acorda. Depois, a água bem quente no corpo lava mais uma noite mal dormida. Entro-lhe no quarto em desassossego com um sorriso no rosto e digo-lhe "Bom dia, Filha". Ela responde " Bom dia, Mánhe". E o dia recomeça sem nunca ter verdadeiramente terminado. Com o sorriso que ela me empresta. E com a certeza de que mas dia menos dia, o silêncio na noite regressará.
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Ui... Odeio dias que começam sem terem acabado! Beijinho grande
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