Tenho no corpo várias cicatrizes. Felizmente, sempre tive a sorte de calhar em mãos experientes, fazendo com que muitas sejam praticamente imperceptíveis. Estive várias vezes numa mesa de operações. Uma delas, que deveria ter sido simples, correu menos bem. Lembro-me de ouvir "epinefrina" e de me apagarem. Acordei várias horas depois, sozinha, sem saber onde estava e a tremer de frio. Sem me lembrar do meu próprio nome. Sem saber o que me tinha acontecido e de onde vinha aquele frio indescritível. Nunca mais me consegui esquecer do acordar do escuro após o branco que me toldou os sentidos a meio da cirurgia. Ficou-me gravado na memória o frio. Talvez por isso, me sinta miserável quando tenho frio. Sinto-me absolutamente miserável quando sinto frio em mim, quando se apodera o gelo do meu corpo. Talvez por isso, goste tanto de acordar quentinha. De me sentir aconchegada. Porque nunca mais me consegui esquecer daquele despertar de um qualquer sítio negro. E do frio. Hoje, acordei quentinha. E só por isso, sou grata. Por mais um dia a começar.
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